quarta-feira, 24 de março de 2010

Gatafunhos de Histórias Inventadas - I

O sabor do tempo...
...cada passo parecia afundar-se pela terra molhada. cada um a seguir ao outro. quanto mais avançava mais a terra se tornava funda entre as folhas secas que caíam de árvores semi-despidas. montes pequenos acumulavam-se pelo caminho. uma a uma, folha a folha, íam sendo retiradas do seu local secreto de repouso que escolheram para pernoitar eternamente durante toda a primavera, durante todo o verão. junto a elas, gotas de vida e de verdade jogavam-se dos céus tristes e enublados. na mesma direcção... rasgavam os céus e permaneciam em consonância naquele destino de descer em direcção a um nada. bem um nada não, a um tudo onde qualquer ser, qualquer nada se transforma sempre em algo. numa terra de benção, semeadora e fértil de natureza nascida, de natureza por nascer. o frio, esse não tardava em chegar acompanhado do vento que se formava na orla por detrás de montes estendidos por entre os esboços de sombras distantes. tudo parecia diferente. um diferente de uma normalidade já sentida noutros dias. mas diferente. as mãos começavam a ficar vermelhas... as malas pesadas. mas o caminho continuava, entre altos e baixos. as gotas faziam-se sentir na pele. no rosto. escorrendo suavemente sobre a face. ao fundo, faziam-se sentir vozes perdidas no silêncio... eram sempre as mesmas. o mesmo timbre, o mesmo som, o mesmo sentir, o mesmo pensar transformado em palavras. contudo, também estas pareciam estranhas apesar de tanta familiaridade. as casas, que brilhavam há luz dos dias recheados de sol e alegria, perderam-se em tons de cinzento, em tons de uma pedra que se mantém fria. tudo era igual, mas ao mesmo tempo diferente. tudo se mantinha no mesmo local, nem um centímetro para o lado. se o seu destino foi sempre estar ali, dali nunca saiu. tudo cheirava ao mesmo. mas os sons, esses eram diferentes... o silêncio deu lugar às crianças que brincavam na praceta de pedra... o som dos animais ao fundo nos campos de pasto, perderam-se com o crescimento de ervas daninhas. E ali chegou, de regresso à casa de onde partira, à aldeia que sempre a esperou, aos olhos esperançosos de quem a viu partir um dia, de quem já não esperava o voltar... os passos calaram-se, o caminho terminara... ali permanecera de sorriso aberto para aquele lugar escondido... o sol voltara a raiar como noutra vida sempre o fizera por lá...
Hoje continuava a mesma, mas muito diferente daqueles anos. Hoje a aldeia continuava a mesma, mas muito diferente daqueles anos. Tudo parecia o mesmo, mas muito diferente daqueles anos.

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